terça-feira, 28 de junho de 2011

Para a galera do 2o ano eja... Um pouco mais sobre Lygia Pape


Mariana Shirai
MNCARS-PLP/divulgação (2)
"PARTICIPAÇÃO
Acima, a artista fluminense Lygia Pape, nos anos 1980, durante a encenação de sua obra Divisor, de 1968. No destaque, releitura do trabalho em 2010, para a Bienal de São Paulo. Um pano branco com furos é “vestido” pelo público
É nas prateleiras do supermercado que se encontram algumas das criações mais difundidas da artista fluminense Lygia Pape (1927-2004). Ela projetou um tipo de embalagem cilíndrica feita para a marca de biscoitos Piraquê no final dos anos 1960, tecnologia que, desde então, ganhou o mundo. Nos invólucros coloridos, estão aplicados todos os princípios ópticos do neoconcretismo, movimento fundado por Lygia e outros artistas nos anos 60 que deu a base da arte contemporânea brasileira. “Ao inventar as embalagens, ela alcançou um dos sonhos do movimento: fundir arte e vida, atingir o olhar e a sensibilidade das pessoas fora dos museus”, diz a crítica de arte Daniela Name.
Enquanto Lygia Pape reina anonimamente nas gôndolas de bolachas do Brasil, seu trabalho vive, no exterior, seu momento de maior destaque. (...) “A arte de Lygia é conhecida por sua singularidade e mutação constante”, diz Sophie O’Brien, curadora da Serpentine Gallery. “Essa exposição reúne as tentativas da artista de encontrar uma linguagem que refletisse uma nova ordem sensorial.” O momento em que decidiu ser artista plástica, no começo dos anos 1950, já prenunciava a ênfase na transformação e nas sensações que marcariam a obra de Lygia. Até então, era na música que ela desenvolvia sua criatividade. Além do canto lírico, tocava piano e violão.
Foi durante uma viagem para Arraial do Cabo, no Rio de Janeiro, ao lado do marido, Gunther Pape, que Lygia teve uma iluminação. “Ela estava vendo o pôr do sol em cima de uma duna e, quando desceu de lá, baixou uma coisa nela”, diz sua filha Paula Pape, responsável pela instituição que administra o espólio da artista, o Projeto Lygia Pape. “A visão do mar, do sol e da duna foi tão forte que ela sabia, com convicção, que dali para a frente queria ser pintora como José Pancetti, que havia feito muitas telas lá.” Nesse início de carreira, com pouco mais de 20 anos, Lygia se aproximou do concretismo. O movimento, surgido na Europa nos anos 1930, pregava a abstração feita por linhas e cores, sem associação simbólica com a realidade. Em 1955, já integrante do Grupo Frente – de onde saíram inovadores famosos como Hélio Oiticica, Abraham Palatnik e Lygia Clark –, Lygia participa de uma exposição no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em que os preceitos do concretismo já começavam a ser tratados com maior liberdade. “Minha mãe era extremamente inquieta e anárquica”, diz Paula. “Ela precisava das mudanças para criar.”
A ruptura seguinte de Lygia viria em 1959, com a assinatura do Manifesto neoconcreto, redigido por Ferreira Gullar, ao lado de Amilcar de Castro, Fraz Weissman e, novamente, Lygia Clark. Ali, o racionalismo do concretismo era negado em nome da liberdade de expressão na obra de arte. Essas ideias desembocariam na transgressão dos limites entre arte e vida real. Isso significou, em muitos casos, que a participação do público fosse considerada um pré-requisito para a existência da obra. O movimento neoconcreto durou apenas dois anos, mas modificou para sempre a arte brasileira e a trajetória de Lygia. Ela seguiu fazendo experimentações com vídeo, dança, performance, arquitetura, cinema (com o Cinema Novo) e design gráfico.
A exposição atual do Reina Sofia reflete o reconhecimento internacional da obra de Lygia, que teve início depois que a artista foi homenageada na última Bienal de Veneza, em 2009. “Sua obra Tteia foi um dos trabalhos mais comentados da Bienal”, diz Luiz Camillo Osorio. Para o curador do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, a descoberta de Lygia no exterior é um desdobramento natural do processo em curso de valorização da arte brasileira, tanto pela crítica quanto pelo mercado, que se iniciou nos anos 1990. “O importante desse movimento é a incorporação da arte brasileira na arte ocidental”, afirma. “Em museus como o MoMA (em Nova York) , nossos artistas não aparecem em salas de arte latina, por exemplo. Estão ao lado de artistas como Piet Mondrian (1872-1944) . Essa revisão da arte brasileira tem a ver com a reescrita da história da arte do pós-guerra.” "
Luciana Whitaker/ Folhapress, reprodução, Alessandra Benedetti/Corbis, David Handschuh/NY Daily News Archive/Getty Images e divulgação
OBRAS PARA VER – E PROVAR
1.
Em O ovo (1967), o público deve “nascer” rompendo uma casca macia 2. Tteia (2004), instalação com fios de ouro, foi uma das obras mais comentadas da última Bienal de Veneza 3. Roda dos prazeres (1968) é um convite para sentir o gosto das diferentes cores criadas com água e corante alimentício 4. Embalagens inovadoras que Lygia criou para a Piraquê no final dos anos 1960 5. Detalhe de Livro do tempo (1961-1965), em que 365 pinturas em madeira representam os dias do ano